quarta-feira, 14 de março de 2007

No caminho de casa

Uma tarde agradável, fresca, nem parecia ser uma tarde do verão de Cuiabá, Gilberto estava estranhado aquela tranqüilidade. Quando foi deixar os filhos no Cinema, não teve nenhum problema no trânsito, os filhos, Mateus e Felipe, foram em silêncio, sem nenhuma discussão ou brigas comuns de pré-adolescentes metidos a grandes adultos. Sua esposa lhe recepcionou com um beijo e não fez nenhuma reclamação se quer. O patrão elogiou o seu desempenho de vendas, prometendo uma gratificação para o final do mês.
- Há algo errado. Profere Gilberto em um grito para si mesmo freando o carro bruscamente em pleno trânsito, causando um principio de confusão no trânsito.
O motorista se quer deu ouvidos para gritos, sirenes, buzinas, essas coisas de trânsito de cidade. Saiu do carro, percorreu uns passos, e começou a andar, logo nos primeiros passos sentiu a necessidade de correr. E foram dez, trinta minutos, numa largada sem fim, corria, corria, como se o tempo fosse seu inimigo, era uma corrida muito maior do que quando tinha que fechar os balancetes financeiros da empresa antes do fim do expediente. Uma prova bem maior do que ser profissional, marido e pai, além de tudo filho, eram muitas as ligações da mãe, que ele muitas vezes esquecia de retornar.
Já se passava duas horas, e o homem não parava de correr, já havia feito o percusso da famosa Corrida de Reis, atravessou o rio Cuiabá, até que sem querer tropeçou em uma pedra, e foi lançado para dentro daquelas águas. Foi aí que o homem se deu conta, ele não sabia nadar, e uma força tremenda lhe puxava para o fundo. E como Gilberto gritava, mas ninguém o ouvia, no tempo que corria, parecia que estava fora, pois olhava e ninguém o via. Será que não estava assim há algum tempo, vivia e ninguém percebia? Gilberto não teve mais força e foi levado.
- Ei! Quem tanto chama? Em busca de quem você estava?
- Pois não? Espere aí? Quem é você, onde estou?
- Quem você chamava e para onde você veio.
Gilberto abriu os olhos e viu que estava em um lugar que ao mesmo tempo desconhecia sentia como se tivesse em casa, olhou para aquela pessoa e reconheceu como um grande conhecido.
Mas se nenhuma grande apresentação, o homem de grande essência, relatou que Gilberto estava dentro de si mesmo, por isso se sentia bem, que a corrida contra o tempo o levava a si mesmo, e que quando ele deixou de lutar contra seus medos mergulhou em sua essência.
- Eu sabia que havia alguma coisa errada. Estava tudo muito estranho. E aí como faço para voltar para casa?
- Será que sabe o caminho de volta, ou você já se perdeu de vez?
- Lógico que sei, imagino conheço com a palma das minhas mãos o caminho de casa, que faço todos os dias, quando saio para o trabalho ou volto dele, posso lhe dizer quantos sinais de trânsito há para atrapalhar?
- Sei que pode, mas não sabe se quer quantas pessoas estão ali, precisando se quer ser olhadas, quantas crianças que querem pelo menos uma roda daqueles carrinhos caros que deu para seus filhos como prova de afeto, para serem crianças. Seus filhos? Ao menos um dia prestou atenção quais são os seus medos e anseios. Não sabe inclusive que eles já o esperaram por noites para lhe contar uma conquista, e foram trocados por um grande quadrado bobo que colocou no centro de sua casa, aquela grande televisão. Não sabe que sua esposa se sente culpada por ter dado aos seus filhos um pai que só se preocupa em ser o profissional do ano, o melhor jogador de tênis do clube e ter o carro do ano. Isso porque ela vê que se quer percebe o mundo ao redor a não ser seu grande e sarado umbigo, você é um cara que se preocupa bastante com a forma física, estava me esquecendo.
- Quem pensa que é para me julgar e falar assim comigo?
- Você não me conhece, mas eu te conheço, na verdade estive com você por toda a sua vida.
- Eu vou embora, isso só pode ser uma daquelas armações da televisão, vou ligar para meu advogado e saiba que será processado.
- Tudo bem, siga aquele caminho e vá para casa, só não esqueça de olhar por onde andas?
- Que coisa chata, vou para minha casa, é cada coisa que temos que aturar. Enquanto seguia o caminho, Gilberto reclamava, mas seguiu o conselho e começou a olhar para os lados, viu que havia um grande congestionamento na avenida, foi seguindo.
- O que isso meu Deus?
- Esse foi o tempo que perdeu meu filho, você esqueceu de olhar para os lados mais uma vez, agora literalmente, o caminhão pegou o seu carro, lhe tirou a vida. E meus filhos, minha esposa e o meu trabalho?
- Seus filhos estão ali calados sentados no banco daquele carro, acho que quem dirige é a sua esposa, aquela mulher simpática ali, que só repete como seria maravilhoso se ela pudesse dar um último beijo em seu amado. Seu patrão prometeu a ela que vai lhe dar uma gratificação a mais por dedicação, ou seja, quanto a dinheiro, não precisa se preocupar, a pensão vai resolver. Sua mãe é aquela que ora ali, me pedia sempre para nunca lhe deixar sozinho.
- Mas quanto a mim?
- Acho que não sabe mais o caminho de volta, esqueceu de olhar para os lados, foi feita uma modificação nas vias. Acho que perdeu tempo demais, talvez no caminho errado.