sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Testemunho

Talvez algumas pessoas saibam o que aconteceu comigo por esses dias, outras se quer tem idéia, porém apenas Deus sabe de todos os momentos. Escrever essas linhas não foi fácil, tento isso desde o dia 20 de setembro, mas não consigo pela emoção, assim como voltar ao cemitério, quero tanto, mas sou impedida por uma dor aguda e sem sentido algum volto para trás.

Faz mais o menos um ano que comecei a ver a minha mãe morrer, apesar do atestado de óbito ser do dia 17 de setembro de 2008. Numa consulta de rotina aquela mulher forte, alegre e amável, queridinha da família e dos amigos, talvez percebeu que o câncer iria lhe tirar muita coisa.


Eu que sempre a tive do lado, prometi a mim mesmo que eu faria tudo para que aquele tumor não tirasse todo o amor e atenção que ela merecia. Lembrando assim sei que só Deus pôde me deixar forte, para em dez meses conseguir ficar plena, perto dela não soltar uma lágrima, mesmo que em muitas vezes estava em cacos. Em todas as situações sei que nada me sustentaria tanto se não fosse um Deus Todo Poderoso, das vezes que tinha que falar com os médicos, ou mesmo tentar maneiras de dá uma qualidade de vida melhor para quem estava cada vez mais sem vida alguma.

Não foi tão simples, nem sabia que poderia suportar tanto, confesso que é duro sim ter que pegar sua mãe praticamente no colo, vê-la gritar de dor, perder o sentido no caos, confesso que ver os sonhos sendo despedaçados e desfeitos trata-se de uma experiência sombria e marcante. Olhar dia após dia e ver a pessoa que eu mais amava indo embora me tirava também mil pedaços. Foram tantos momentos, me lembro dos cirurgiões saindo no corredor cabisbaixo, das palavras de cada um deles, Doutor Osterno, Doutora Maria Elaine e Doutor Luis Maurício. Sei que era janeiro, o começo deste ano, eu precisava ser forte, me disseram que ela morreria e eu não quis acreditar. Eles me deram um mês, Deus me permitiu dez meses.

Não foi mais doloroso saber que minha mãe estava com um câncer fulminante e terminal, doía muito vê-la sofrer e muitas vezes não poder fazer simplesmente nada, porque não estava nas minhas mãos, o sentimento de incapacidade é depressivo. Desde dezembro até setembro, nunca mais a vi sorrir de fato, aquele sorriso dela, de abrir um bocão e fechar os olhos, nem mesmo dormir uma noite se quer. E foram tantas madrugadas que só Deus mesmo que sabe.

A diferença entre saber de algo ou conhecê-lo está na experimentação, a vivência. Porque eu sempre gostei muito de dormir, e agora passava as noites, ambiente hospitalar me trazia angústia, e nesse tempo tive que conviver ali muito do pouco tempo que tinha ao lado da minha mãe, aprendendo num campo de batalha sobre vida em meio a morte. E talvez muitos podem prever o que são dez meses diante a uma situação dessa, mas de fato só quem viveu talvez consiga entender de verdade, contextualização. Mas isso não me faz sentir menor ou mesmo digna de piedade, não, isso me fez aprender bastante.

Não conseguirei dizer todas as coisas que se passaram nesses dias, quantas madrugadas inteiras fiquei em oração ou em prantos vi o Sol raiar. Enfrentei os piores momentos no trabalho, tive que aceitar incompreensão, palavrões e sentimentos contrários, quando mal poderia me sustentar em pé, cansaço físico, mental e espiritual. Tive longas conversas com Deus, indaguei Ele várias vezes, questionei e fiquei muitas vezes só em silêncio. Agradeci sim e muito por cada milagre que me concedeu dia- a-dia, que me dispôs de tê-la ao meu lado.

Foram assim dez meses, em uma vida inteira de amizade e amor que sempre tive com minha mãe, uma relação única e sem medidas para definir. A nossa relação era uma mistura de amizade, de irmã, de companhia, de liderança, de luta e conquistas, sonhos, muitos sonhos. Teve um dia que a vi chorar, ela sim sempre teve muita fé e força, em julho. Diz que se sentia enganada, que todos mentiam para ela sobre seu estado e que morreria logo. Pedi perdão a Deus, mas que apenas não permitia que ninguém tirasse dela a sua esperança de vida.

Ela sabia sim que estava ficando pior, não só quando os cabelos caíram todos, porque eles nasceram todos, agora seu organismo cada vez mais não aceitava comida, as veias já estavam cansadas de soro, remédios, transfusões de sangue, as longas sessões de nâuseas que enfrentava. E uma dor constante e dolorosa companhia, dor física. E a cena de um corpo frágil, dolorido e cansado, em que você pode ver toda a estrutura óssea, quantas vezes quis no banho poder tirar toda a sua dor, que a água levasse. Colocá-la no colo e abraçar até o último segundo, para que esse momento não chegasse.

As quimioterapias, os médicos já haviam me dito que eram paliativas, ou seja pela medicina não havia cura alguma, nem por dinheiro algum, a não ser a vontade de Deus. E os médicos estiveram ali também, os enfermeiros, ela também os conquistou, eles também se apaixonaram por aquela bela senhora corajosa e amável. Doutor Rubens José, Doutor Alan Kagan, Doutor Marcos, Doutora Luciana Dourada, Doutora Arlene, entre tantas e tantos, amigos e família. De todas os procedimentos talvez as quimios eram as mais dolorosas, sempre a acompanhei, foram seis, acho que a força toda era o amor que Deus me presenteou por aquela mulher, minha amada mãe. Três internações, em menos de dois meses, exatamente 21 dias, neste tempo, pontualmente foram cerca de 21 pessoas que vi morrer. Eu não vi de fato, minha mãe partir, às 9 horas do dia 17 de setembro, Deus me protegeu, mas vi outros filhos vendo sua mãe partindo, pessoas jovens, crianças, que pude saber a luta e a história, e vi partindo.

Agradeço a Deus por todos os dias que me permitiu a mãe preciosa que era a dona Maria Lúcia. Me questionei sim uma vezes como Deus deixou que ela sofresse tanto, queria muito que ela fosse curada, mas Ele me ensinou sobre a sua Soberania e seu Amor, sim uma das maiores lições da minha vida. Às vezes quero estar sonhando e acordar para poder ter minha mãe de volta. Mas Deus fez um milagre, um qual não esperava.

Quem tava comigo no cemitério viu que eu não tinha uma só lágrima, mas ainda assim não sei explicar de fato como foi esse momento. Tinha uma chuva inesperada, eu e minha mãe naquele caixão, porque eu também estava morrendo ali. De repente me lembrei de uma palavra de Deus, Creia tú em Cristo e Salva tú e sua casa. Minha mãe estava muito mal aqueles dias, eu com mil aflições, problemas pessoais pesados, desencontros de palavras e uma crise no trabalho, não conseguia e não dava para sair um segundo do lado dela, pela necessidade e pela situação. Não dormia há tempos, nem comer dava, me via perdendo em meio a uma luta.

Mas no dia 16 de Setembro, madrugada ainda, talvez daquelas pessoas que nada sabiam e me difamavam na crise do trabalho dormiam, e outras pessoas se quer talvez sabiam, mas isso não era importante, naquela situação em meio há tantas guerras, um campo de batalha, era só eu, de repente, vi que não estava só, tinha Deus comigo. Estava disposta a exatamente tudo para que ela ficasse bem, me anulando completamente em todas as áreas, já não me importava carreira, nome, vida sentimental e demais situações. Me despojei pela fé e anulei por amor.


E nos últimos momentos de lucidez da minha mãe, ela se despede de mim, em palavras e gestos, Deus me permite agradecê-la, dizer quanto a amava, e quanto Cristo sempre esteve do seu lado a amando incondicionalmente, e ela clama por Ele, chama em alta voz. Poucos segundos depois minha mãe estava em coma, seus rins pararam de funcionar, agora apenas os aparelhos. Não sei o que me constrage mais se é lembrar dela deitada, fraquinha com tantos aparelhos, ou se é a imagem dela naquele caixão. Um dia gigantesco, perto do fim que nunca desejei, e naquele dia mesmo o último que vi minha mãe, lembro dela mesmo entrando em estado de coma sorrindo para Mary, que foi ficar do meu lado naquele último dia desta jornada, do dia 16 de setembro.

E o que me fez reviver naquele cemitério, às 19 horas, do dia 17 de setembro de 2008 foi o mesmo Salvador que pegou a minha mãe no colo como desejava, lhe tirando todas as dores e aflições. Só Deus mesmo, sabe de todas as coisas, dessas dores e momentos desses dias, e até agora da falta que me faz ela. Só Ele me conhece intimamente para saber como e quem eu sou, antes e após tudo isso. Das palavras que me vieram, contrárias e amigas, das pessoas que só estiveram para dizer e fazer barbaridades, mas muitas outras que me fizeram tudo e bem mais do que imaginei. Foi difícil escrever, mas tenho que Deus é fiel em suas promessas, e crendo Nele sei que posso continuar a caminhada.

Obrigada a todos que tiveram e estão comigo em oração, em amor, aos que não me conhecem não precisa saber de mim, porque grande nessa história é Deus, que ama, cuida, fortalece e sobretudo Salva.

Hoje em dia desespero para mim é corpo no chão, sem salvação. Tudo é qualquer situação pode ser mudada pela obra de Deus. Diante as situações e ao que me julgam, pois é eu posso dizer que sei sim o Deus que tenho e temo. Enquanto a marcha conduzia o caixão para o enterro, uma chuva mudou completamente o cenário, eu cantei bem baixo, mas no coração, para Deus uma música do Diante do Trono, Deus sabe quanto eu preciso dele ...

Águas Purificadoras - Diante do Trono

Existe um rio, Senhor
Que flui do Teu grande amor
Águas que correm do trono
Águas que curam, que limpam
Por onde o rio passar
Tudo vai transformar
Pois leva a vida do próprio Deus
E este rio está neste lugar
Quero beber do Teu rio, Senhor
Sacia a minha sede, lava o meu interior
Eu quero fluir em Tuas Águas
Eu quero beber da Tua fonte
Fonte de águas vivas
Tú és a fonte, Senhor
Tú és o rio, Senhor
Tú és a fonte, Senhor


"Eu creio no Sol, muito embora ele não brilhe
Eu creio no amor, mesmo quando ele não é demonstrado
Eu creio em Deus, mesmo quando Ele não fala."
Texto encontrado numa parede de um campo de concentração nazista
Referências Bíblicas: Salmo 40 - que minha mãe amava
João 11:1-44
I Corintios 15:55